"As duas coisas que as pessoas mais esquecem: crianças e guarda-chuvas."

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Escolhas & maldições: os temas abordados

Escolhas & maldições: os temas abordados

A infância, o tempo e o lugar

   Embora o enredo de Um conto das maldições do Cervo Invernal sugira muitas e inevitáveis reflexões, o leitor não está diante de uma cartilha narrativa cheia de didatismos.  Não temos um direcionamento moral e as notações mais apaixonadas do narrador são mais expressões de perplexidade do que qualquer outra coisa.

   Porém, como a história tem como base a nossa eterna e indissociável relação com a infância, vamos falar aqui sobre este, e também sobre outros dois temas presentes em qualquer história: o tempo e o lugar.

A infância, o tempo e o lugar

   Embora o enredo de Um conto das maldições do Cervo Invernal sugira muitas e inevitáveis reflexões, o leitor não está diante de uma cartilha narrativa cheia de didatismos.  Não temos um direcionamento moral e as notações mais apaixonadas do narrador são mais expressões de perplexidade do que qualquer outra coisa.

   Porém, como a história tem como base a nossa eterna e indissociável relação com a infância, vamos falar aqui sobre este, e também sobre outros dois temas presentes em qualquer história: o tempo e o lugar.

Sobre a infância:

Sobre a infância:

Friedrich, na versão da capa em português. L.C.Roman - 2021 ©

     Nunca nos curamos da nossa infância. Esta frase resume a ideia central do livro sobre essa etapa da qual qualquer pessoa que tenha vivido por mais de dez segundos neste planeta não conseguiu escapar. Você pode evitar a velhice, não chegar aos vinte anos,  morrer adolescente, ou como um adulto maduro em seu escritório. Mas da infância ninguém nunca escapa. A infância é inescapável e incurável, para o nosso bem, ou nosso mal.

     Porém, essa história infantil que não é para crianças, que é contada para adultos, (mas não para aqueles que amadureceram demais), não tem a infância como único tema, nem poderia. Até porque é dessa fase que a partir da qual tudo se desdobra. Então, os seus personagens, que como todos nós, foram afetados irreversivelmente por ela, estão espalhados pelo livro com tantos dilemas e resoluções que as reflexões que geram fogem de qualquer intenção de direcionamento que o autor possa ter tido. 

Friedrich, na versão da capa em português. L.C.Roman - 2021 ©

     Nunca nos curamos da nossa infância. Esta frase resume a ideia central do livro sobre essa etapa da qual qualquer pessoa que tenha vivido por mais de dez segundos neste planeta não conseguiu escapar. Você pode evitar a velhice, não chegar aos vinte anos,  morrer adolescente, ou como um adulto maduro em seu escritório. Mas da infância ninguém nunca escapa. A infância é inescapável e incurável, para o nosso bem, ou nosso mal.

     Porém, essa história infantil que não é para crianças, que é contada para adultos, (mas não para aqueles que amadureceram demais), não tem a infância como único tema, nem poderia. Até porque é dessa fase que a partir da qual tudo se desdobra. Então, os seus personagens, que como todos nós, foram afetados irreversivelmente por ela, estão espalhados pelo livro com tantos dilemas e resoluções que as reflexões que geram fogem de qualquer intenção de direcionamento que o autor possa ter tido. 

        E seja por a ignorarem, ou por não conseguirem escapar dela, os personagens em Um conto das maldições do Cervo Invernal, são confrontados o tempo todo com a infância deles e a de outros. Porque afinal, como qualquer adulto, eles nunca a superaram, ou a superarão de forma absoluta.  E Josh, o garoto que não muda um fiapo sequer e as outras crianças (inclusive um menino de brinquedo), aparecem o tempo todo ao lado dos adultos fazendo essa confrontação. E apesar de Josh não servir ao enredo como uma personificação dessa fase, é ele que se presta a uma triangulação com as outras narrativas. Emprestando força e impulso a série de dilemas dos outros personagens. Fazendo com que muitas vezes ele seja ignorado, auxiliado ou deixado para trás, conforme é a resolução de cada um deles com a própria infância. Então, a incurável infância com todas as suas implicações pode ser considerada sim o tema principal deste livro, mas que por sua própria dinâmica ramifica-se em outras direções.

        E seja por a ignorarem, ou por não conseguirem escapar dela, os personagens em Um conto das maldições do Cervo Invernal, são confrontados o tempo todo com a infância deles e a de outros. Porque afinal, como qualquer adulto, eles nunca a superaram, ou a superarão de forma absoluta.  E Josh, o garoto que não muda um fiapo sequer e as outras crianças (inclusive um menino de brinquedo), aparecem o tempo todo ao lado dos adultos fazendo essa confrontação. E apesar de Josh não servir ao enredo como uma personificação dessa fase, é ele que se presta a uma triangulação com as outras narrativas. Emprestando força e impulso a série de dilemas dos outros personagens. Fazendo com que muitas vezes ele seja ignorado, auxiliado ou deixado para trás, conforme é a resolução de cada um deles com a própria infância. Então, a incurável infância com todas as suas implicações pode ser considerada sim o tema principal deste livro, mas que por sua própria dinâmica ramifica-se em outras direções.

Hans atinge o topo do castelo de brinquedo. L.C.Roman - 2021 ©

    E a infância em Um conto das maldições do Cervo Invernal, não é retratada de forma idealizada, nem muito menos romantizada. As crianças não são poupadas dos eventos mais duros que acontecem com elas. Mesmo que, às vezes, o narrador escolha deixar uma lacuna no lugar  para nos poupar de um desfecho mais doloroso, o que acaba tendo um efeito mais angustiante.

     E por respeitar o universo infantil, o texto às vezes quebra a narrativa de forma brusca, passando do lúdico ao trágico quando necessário. Mas isto é feito sem deturpar a concepção do que são as crianças e de como elas estão totalmente à mercê do mundo que preparamos para elas.

    Ou seja, o texto não deturpa o universo infantil, adultificando os elementos mais lúdicos e colocando as crianças num universo que muitas vezes é o reflexo sombrio de uma visão adulta, construída a partir de uma percepção distorcida e esquecida do que é ser criança. As crianças são representadas no livro como de fato são, ora sendo terríveis, ora ingênuas e amáveis.

Hans atinge o topo do castelo de brinquedo. L.C.Roman - 2021 ©

    E a infância em Um conto das maldições do Cervo Invernal, não é retratada de forma idealizada, nem muito menos romantizada. As crianças não são poupadas dos eventos mais duros que acontecem com elas. Mesmo que, às vezes, o narrador escolha deixar uma lacuna no lugar  para nos poupar de um desfecho mais doloroso, o que acaba tendo um efeito mais angustiante.

     E por respeitar o universo infantil, o texto às vezes quebra a narrativa de forma brusca, passando do lúdico ao trágico quando necessário. Mas isto é feito sem deturpar a concepção do que são as crianças e de como elas estão totalmente à mercê do mundo que preparamos para elas.

    Ou seja, o texto não deturpa o universo infantil, adultificando os elementos mais lúdicos e colocando as crianças num universo que muitas vezes é o reflexo sombrio de uma visão adulta, construída a partir de uma percepção distorcida e esquecida do que é ser criança. As crianças são representadas no livro como de fato são, ora sendo terríveis, ora ingênuas e amáveis.

Sobre o tempo:

Sobre o tempo:

      Não há história contada que não se relacione com o tempo. E talvez tudo o que já se tenha escrito seja no fundo uma tentativa de compreensão da passagem do tempo e o arrasto que ele causa. E quando Josh é atendido em seu desejo de não mais crescer, somos atropelados juntos com ele pela percepção de que quando paramos no tempo é quando ele se torna cada vez mais veloz. Afastando-se e levando tudo o que nos é importante.

      E o romance, ao acompanhar o protagonista, coloca em paralelo duas percepções distintas que temos sobre o tempo ao longo da vida: a primeira, é a que temos quando ainda somos crianças, ou muito jovens, de que o tempo demora a passar e a chegada do verão parece sempre distante. E a outra, é a percepção que temos quando já somos adultos e deixamos de contar os invernos de tão rápido que eles passam por nossos dedos.  Desta forma, a jornada de Josh com sua imutabilidade dentro de um vórtice feroz de mudanças, coloca em sobreposição essas duas noções sobre a passagem tempo que temos ao longo da vida.

      Não há história contada que não se relacione com o tempo. E talvez tudo o que já se tenha escrito seja no fundo uma tentativa de compreensão da passagem do tempo e o arrasto que ele causa. E quando Josh é atendido em seu desejo de não mais crescer, somos atropelados juntos com ele pela percepção de que quando paramos no tempo é quando ele se torna cada vez mais veloz. Afastando-se e levando tudo o que nos é importante.

      E o romance, ao acompanhar o protagonista, coloca em paralelo duas percepções distintas que temos sobre o tempo ao longo da vida: a primeira, é a que temos quando ainda somos crianças, ou muito jovens, de que o tempo demora a passar e a chegada do verão parece sempre distante. E a outra, é a percepção que temos quando já somos adultos e deixamos de contar os invernos de tão rápido que eles passam por nossos dedos.  Desta forma, a jornada de Josh com sua imutabilidade dentro de um vórtice feroz de mudanças, coloca em sobreposição essas duas noções sobre a passagem tempo que temos ao longo da vida.

      Outro ponto que faz do tempo o tema paralelo do livro, é a maneira com que o próprio narrador se relaciona com ele. Pois como ele mesmo nos diz, ele desconhece com clareza a forma com que os homens contam o tempo. E ao contar com a ajuda de seus relatores, que sabem menos ainda, somos defrontados com diferentes percepções sobre a passagem das coisas. O que tira do texto o caráter de calendário narrativo, com passagens claramente mencionadas por data, (exceto no trecho em que o diretor com os olhos de um mocho anota a data da última criança a deixar seu abrigo). Mas nem por isso a nossa percepção fica embaralhada, visto que os eventos de fundo nos colocam sempre em perspectiva de compreender a passagem do tempo, ou de ficarmos estarrecidos com ela.

      Outro ponto que faz do tempo o tema paralelo do livro, é a maneira com que o próprio narrador se relaciona com ele. Pois como ele mesmo nos diz, ele desconhece com clareza a forma com que os homens contam o tempo. E ao contar com a ajuda de seus relatores, que sabem menos ainda, somos defrontados com diferentes percepções sobre a passagem das coisas. O que tira do texto o caráter de calendário narrativo, com passagens claramente mencionadas por data, (exceto no trecho em que o diretor com os olhos de um mocho anota a data da última criança a deixar seu abrigo). Mas nem por isso a nossa percepção fica embaralhada, visto que os eventos de fundo nos colocam sempre em perspectiva de compreender a passagem do tempo, ou de ficarmos estarrecidos com ela.

    Trecho:

      “Poucas vezes sabemos quando estamos fazendo uma coisa pela última vez. Como quando dizemos um adeus a um amigo pensando que é apenas um “até logo”, ou quando fechamos um livro e o colocamos na estante para nunca mais abri-lo.  A cada final de dia há inúmeras partidas definitivas que nem sequer sabemos.”

    Trecho:

      “Poucas vezes sabemos quando estamos fazendo uma coisa pela última vez. Como quando dizemos um adeus a um amigo pensando que é apenas um “até logo”, ou quando fechamos um livro e o colocamos na estante para nunca mais abri-lo.  A cada final de dia há inúmeras partidas definitivas que nem sequer sabemos.”

     Essa é uma das considerações iniciais que remete à passagem esmagadora das coisas, e sobre o triunfo do esquecimento causado pelo tempo.  E o tempo na história aparece como um monstro devorador. Do qual, por Josh não o conseguir acompanhar, se torna mais fustigado por ele. Ele é o vilão que o afasta de seus amigos fazendo com que eles cresçam, que sigam com suas vidas e sejam varridos para longe. Enganados como se eles próprios tivessem tomado decisões sobre seus destinos. E por ser incapaz de mudar, Josh torna-se o alvo que o tempo atinge com mais facilidade. Pois só  podemos nos esconder do tempo quando corremos ao lado dele, nem à frente, nem atrás.

     Essa é uma das considerações iniciais que remete à passagem esmagadora das coisas, e sobre o triunfo do esquecimento causado pelo tempo.  E o tempo na história aparece como um monstro devorador. Do qual, por Josh não o conseguir acompanhar, se torna mais fustigado por ele. Ele é o vilão que o afasta de seus amigos fazendo com que eles cresçam, que sigam com suas vidas e sejam varridos para longe. Enganados como se eles próprios tivessem tomado decisões sobre seus destinos. E por ser incapaz de mudar, Josh torna-se o alvo que o tempo atinge com mais facilidade. Pois só  podemos nos esconder do tempo quando corremos ao lado dele, nem à frente, nem atrás.

Tudo quieto no front. L.C.Roman - 2021 ©

   E o narrador,  demonstra também ser um inconformado em relação a passagem das coisas, retornando à questão durante toda a narrativa. Mostrando-se ora espantado, e ora nada surpreso com os seus efeitos. Portanto, o tempo em Um conto das maldições do Cervo Invernal é mais do que um pano de fundo. E a despeito de ser uma reflexão sobre a infância, a jornada de Josh talvez seja uma busca pelo tempo perdido. Uma procura pelo que não pode ser restituído, como aquilo que nós mesmos já fomos um dia. 

Tudo quieto no front. L.C.Roman - 2021 ©

   E o narrador,  demonstra também ser um inconformado em relação a passagem das coisas, retornando à questão durante toda a narrativa. Mostrando-se ora espantado, e ora nada surpreso com os seus efeitos. Portanto, o tempo em Um conto das maldições do Cervo Invernal é mais do que um pano de fundo. E a despeito de ser uma reflexão sobre a infância, a jornada de Josh talvez seja uma busca pelo tempo perdido. Uma procura pelo que não pode ser restituído, como aquilo que nós mesmos já fomos um dia. 

Sobre o lugar:

     Ao apresentar o local em que se desenvolverá a parte inicial do enredo, o narrador sugere que para se conhecer as pessoas é preciso que se conheça o lugar, pois as pessoas e as coisas são feitas de lugar. E o lugar em que se desenrola essa história é a Alemanha do século vinte e início do século vinte e um. Funcionando em parte como outro grande personagem, que como os demais, comete erros,  os repete, se fragmenta, se unifica, seguindo em transformação. Nenhum outro lugar poderia oferecer para o enredo circunstâncias tão significativas como os dois eventos mundiais pelos quais passou e influenciou o mundo. E considerando novamente o país como um personagem coletivo, ele reflete o retorno que fazemos aos mesmos erros, quando as lições não são aprendidas e o ressentimento não é superado. E também reflete a possibilidade de aprendizado e reinvenção. Portanto, se no início do livro somos apresentados a Aldeia de Retalhos, o lugar de uma infância idílica que é despedaçado pelos eventos para além dele, nos capítulos que se seguem, somos jogados em um terreno revolto por potentes processos, que foi o da Alemanha passando por duas guerras e chegando aos dias atuais, quando então o enredo se encerra.

Sobre o lugar:

     Ao apresentar o local em que se desenvolverá a parte inicial do enredo, o narrador sugere que para se conhecer as pessoas é preciso que se conheça o lugar, pois as pessoas e as coisas são feitas de lugar. E o lugar em que se desenrola essa história é a Alemanha do século vinte e início do século vinte e um. Funcionando em parte como outro grande personagem, que como os demais, comete erros,  os repete, se fragmenta, se unifica, seguindo em transformação. Nenhum outro lugar poderia oferecer para o enredo circunstâncias tão significativas como os dois eventos mundiais pelos quais passou e influenciou o mundo. E considerando novamente o país como um personagem coletivo, ele reflete o retorno que fazemos aos mesmos erros, quando as lições não são aprendidas e o ressentimento não é superado. E também reflete a possibilidade de aprendizado e reinvenção. Portanto, se no início do livro somos apresentados a Aldeia de Retalhos, o lugar de uma infância idílica que é despedaçado pelos eventos para além dele, nos capítulos que se seguem, somos jogados em um terreno revolto por potentes processos, que foi o da Alemanha passando por duas guerras e chegando aos dias atuais, quando então o enredo se encerra.