Embora o enredo de Um conto das maldições do Cervo Invernal sugira muitas e inevitáveis reflexões, o leitor não está diante de uma cartilha narrativa cheia de didatismos. Não temos um direcionamento moral e as notações mais apaixonadas do narrador são mais expressões de perplexidade do que qualquer outra coisa.
Porém, como a história tem como base a nossa eterna e indissociável relação com a infância, vamos falar aqui sobre este, e também sobre outros dois temas presentes em qualquer história: o tempo e o lugar.
Embora o enredo de Um conto das maldições do Cervo Invernal sugira muitas e inevitáveis reflexões, o leitor não está diante de uma cartilha narrativa cheia de didatismos. Não temos um direcionamento moral e as notações mais apaixonadas do narrador são mais expressões de perplexidade do que qualquer outra coisa.
Porém, como a história tem como base a nossa eterna e indissociável relação com a infância, vamos falar aqui sobre este, e também sobre outros dois temas presentes em qualquer história: o tempo e o lugar.
Nunca nos curamos da nossa infância. Esta frase resume a ideia central do livro sobre essa etapa da qual qualquer pessoa que tenha vivido por mais de dez segundos neste planeta não conseguiu escapar. Você pode evitar a velhice, não chegar aos vinte anos, morrer adolescente, ou como um adulto maduro em seu escritório. Mas da infância ninguém nunca escapa. A infância é inescapável e incurável, para o nosso bem, ou nosso mal.
Porém, essa história infantil que não é para crianças, que é contada para adultos, (mas não para aqueles que amadureceram demais), não tem a infância como único tema, nem poderia. Até porque é dessa fase que a partir da qual tudo se desdobra. Então, os seus personagens, que como todos nós, foram afetados irreversivelmente por ela, estão espalhados pelo livro com tantos dilemas e resoluções que as reflexões que geram fogem de qualquer intenção de direcionamento que o autor possa ter tido.
Nunca nos curamos da nossa infância. Esta frase resume a ideia central do livro sobre essa etapa da qual qualquer pessoa que tenha vivido por mais de dez segundos neste planeta não conseguiu escapar. Você pode evitar a velhice, não chegar aos vinte anos, morrer adolescente, ou como um adulto maduro em seu escritório. Mas da infância ninguém nunca escapa. A infância é inescapável e incurável, para o nosso bem, ou nosso mal.
Porém, essa história infantil que não é para crianças, que é contada para adultos, (mas não para aqueles que amadureceram demais), não tem a infância como único tema, nem poderia. Até porque é dessa fase que a partir da qual tudo se desdobra. Então, os seus personagens, que como todos nós, foram afetados irreversivelmente por ela, estão espalhados pelo livro com tantos dilemas e resoluções que as reflexões que geram fogem de qualquer intenção de direcionamento que o autor possa ter tido.
E seja por a ignorarem, ou por não conseguirem escapar dela, os personagens em Um conto das maldições do Cervo Invernal, são confrontados o tempo todo com a infância deles e a de outros. Porque afinal, como qualquer adulto, eles nunca a superaram, ou a superarão de forma absoluta. E Josh, o garoto que não muda um fiapo sequer e as outras crianças (inclusive um menino de brinquedo), aparecem o tempo todo ao lado dos adultos fazendo essa confrontação. E apesar de Josh não servir ao enredo como uma personificação dessa fase, é ele que se presta a uma triangulação com as outras narrativas. Emprestando força e impulso a série de dilemas dos outros personagens. Fazendo com que muitas vezes ele seja ignorado, auxiliado ou deixado para trás, conforme é a resolução de cada um deles com a própria infância. Então, a incurável infância com todas as suas implicações pode ser considerada sim o tema principal deste livro, mas que por sua própria dinâmica ramifica-se em outras direções.
E seja por a ignorarem, ou por não conseguirem escapar dela, os personagens em Um conto das maldições do Cervo Invernal, são confrontados o tempo todo com a infância deles e a de outros. Porque afinal, como qualquer adulto, eles nunca a superaram, ou a superarão de forma absoluta. E Josh, o garoto que não muda um fiapo sequer e as outras crianças (inclusive um menino de brinquedo), aparecem o tempo todo ao lado dos adultos fazendo essa confrontação. E apesar de Josh não servir ao enredo como uma personificação dessa fase, é ele que se presta a uma triangulação com as outras narrativas. Emprestando força e impulso a série de dilemas dos outros personagens. Fazendo com que muitas vezes ele seja ignorado, auxiliado ou deixado para trás, conforme é a resolução de cada um deles com a própria infância. Então, a incurável infância com todas as suas implicações pode ser considerada sim o tema principal deste livro, mas que por sua própria dinâmica ramifica-se em outras direções.
E a infância em Um conto das maldições do Cervo Invernal, não é retratada de forma idealizada, nem muito menos romantizada. As crianças não são poupadas dos eventos mais duros que acontecem com elas. Mesmo que, às vezes, o narrador escolha deixar uma lacuna no lugar para nos poupar de um desfecho mais doloroso, o que acaba tendo um efeito mais angustiante.
E por respeitar o universo infantil, o texto às vezes quebra a narrativa de forma brusca, passando do lúdico ao trágico quando necessário. Mas isto é feito sem deturpar a concepção do que são as crianças e de como elas estão totalmente à mercê do mundo que preparamos para elas.
Ou seja, o texto não deturpa o universo infantil, adultificando os elementos mais lúdicos e colocando as crianças num universo que muitas vezes é o reflexo sombrio de uma visão adulta, construída a partir de uma percepção distorcida e esquecida do que é ser criança. As crianças são representadas no livro como de fato são, ora sendo terríveis, ora ingênuas e amáveis.
E a infância em Um conto das maldições do Cervo Invernal, não é retratada de forma idealizada, nem muito menos romantizada. As crianças não são poupadas dos eventos mais duros que acontecem com elas. Mesmo que, às vezes, o narrador escolha deixar uma lacuna no lugar para nos poupar de um desfecho mais doloroso, o que acaba tendo um efeito mais angustiante.
E por respeitar o universo infantil, o texto às vezes quebra a narrativa de forma brusca, passando do lúdico ao trágico quando necessário. Mas isto é feito sem deturpar a concepção do que são as crianças e de como elas estão totalmente à mercê do mundo que preparamos para elas.
Ou seja, o texto não deturpa o universo infantil, adultificando os elementos mais lúdicos e colocando as crianças num universo que muitas vezes é o reflexo sombrio de uma visão adulta, construída a partir de uma percepção distorcida e esquecida do que é ser criança. As crianças são representadas no livro como de fato são, ora sendo terríveis, ora ingênuas e amáveis.
Não há história contada que não se relacione com o tempo. E talvez tudo o que já se tenha escrito seja no fundo uma tentativa de compreensão da passagem do tempo e o arrasto que ele causa. E quando Josh é atendido em seu desejo de não mais crescer, somos atropelados juntos com ele pela percepção de que quando paramos no tempo é quando ele se torna cada vez mais veloz. Afastando-se e levando tudo o que nos é importante.
E o romance, ao acompanhar o protagonista, coloca em paralelo duas percepções distintas que temos sobre o tempo ao longo da vida: a primeira, é a que temos quando ainda somos crianças, ou muito jovens, de que o tempo demora a passar e a chegada do verão parece sempre distante. E a outra, é a percepção que temos quando já somos adultos e deixamos de contar os invernos de tão rápido que eles passam por nossos dedos. Desta forma, a jornada de Josh com sua imutabilidade dentro de um vórtice feroz de mudanças, coloca em sobreposição essas duas noções sobre a passagem tempo que temos ao longo da vida.
Não há história contada que não se relacione com o tempo. E talvez tudo o que já se tenha escrito seja no fundo uma tentativa de compreensão da passagem do tempo e o arrasto que ele causa. E quando Josh é atendido em seu desejo de não mais crescer, somos atropelados juntos com ele pela percepção de que quando paramos no tempo é quando ele se torna cada vez mais veloz. Afastando-se e levando tudo o que nos é importante.
E o romance, ao acompanhar o protagonista, coloca em paralelo duas percepções distintas que temos sobre o tempo ao longo da vida: a primeira, é a que temos quando ainda somos crianças, ou muito jovens, de que o tempo demora a passar e a chegada do verão parece sempre distante. E a outra, é a percepção que temos quando já somos adultos e deixamos de contar os invernos de tão rápido que eles passam por nossos dedos. Desta forma, a jornada de Josh com sua imutabilidade dentro de um vórtice feroz de mudanças, coloca em sobreposição essas duas noções sobre a passagem tempo que temos ao longo da vida.
Outro ponto que faz do tempo o tema paralelo do livro, é a maneira com que o próprio narrador se relaciona com ele. Pois como ele mesmo nos diz, ele desconhece com clareza a forma com que os homens contam o tempo. E ao contar com a ajuda de seus relatores, que sabem menos ainda, somos defrontados com diferentes percepções sobre a passagem das coisas. O que tira do texto o caráter de calendário narrativo, com passagens claramente mencionadas por data, (exceto no trecho em que o diretor com os olhos de um mocho anota a data da última criança a deixar seu abrigo). Mas nem por isso a nossa percepção fica embaralhada, visto que os eventos de fundo nos colocam sempre em perspectiva de compreender a passagem do tempo, ou de ficarmos estarrecidos com ela.
Outro ponto que faz do tempo o tema paralelo do livro, é a maneira com que o próprio narrador se relaciona com ele. Pois como ele mesmo nos diz, ele desconhece com clareza a forma com que os homens contam o tempo. E ao contar com a ajuda de seus relatores, que sabem menos ainda, somos defrontados com diferentes percepções sobre a passagem das coisas. O que tira do texto o caráter de calendário narrativo, com passagens claramente mencionadas por data, (exceto no trecho em que o diretor com os olhos de um mocho anota a data da última criança a deixar seu abrigo). Mas nem por isso a nossa percepção fica embaralhada, visto que os eventos de fundo nos colocam sempre em perspectiva de compreender a passagem do tempo, ou de ficarmos estarrecidos com ela.
Trecho:
“Poucas vezes sabemos quando estamos fazendo uma coisa pela última vez. Como quando dizemos um adeus a um amigo pensando que é apenas um “até logo”, ou quando fechamos um livro e o colocamos na estante para nunca mais abri-lo. A cada final de dia há inúmeras partidas definitivas que nem sequer sabemos.”
Trecho:
“Poucas vezes sabemos quando estamos fazendo uma coisa pela última vez. Como quando dizemos um adeus a um amigo pensando que é apenas um “até logo”, ou quando fechamos um livro e o colocamos na estante para nunca mais abri-lo. A cada final de dia há inúmeras partidas definitivas que nem sequer sabemos.”
Essa é uma das considerações iniciais que remete à passagem esmagadora das coisas, e sobre o triunfo do esquecimento causado pelo tempo. E o tempo na história aparece como um monstro devorador. Do qual, por Josh não o conseguir acompanhar, se torna mais fustigado por ele. Ele é o vilão que o afasta de seus amigos fazendo com que eles cresçam, que sigam com suas vidas e sejam varridos para longe. Enganados como se eles próprios tivessem tomado decisões sobre seus destinos. E por ser incapaz de mudar, Josh torna-se o alvo que o tempo atinge com mais facilidade. Pois só podemos nos esconder do tempo quando corremos ao lado dele, nem à frente, nem atrás.
Essa é uma das considerações iniciais que remete à passagem esmagadora das coisas, e sobre o triunfo do esquecimento causado pelo tempo. E o tempo na história aparece como um monstro devorador. Do qual, por Josh não o conseguir acompanhar, se torna mais fustigado por ele. Ele é o vilão que o afasta de seus amigos fazendo com que eles cresçam, que sigam com suas vidas e sejam varridos para longe. Enganados como se eles próprios tivessem tomado decisões sobre seus destinos. E por ser incapaz de mudar, Josh torna-se o alvo que o tempo atinge com mais facilidade. Pois só podemos nos esconder do tempo quando corremos ao lado dele, nem à frente, nem atrás.
E o narrador, demonstra também ser um inconformado em relação a passagem das coisas, retornando à questão durante toda a narrativa. Mostrando-se ora espantado, e ora nada surpreso com os seus efeitos. Portanto, o tempo em Um conto das maldições do Cervo Invernal é mais do que um pano de fundo. E a despeito de ser uma reflexão sobre a infância, a jornada de Josh talvez seja uma busca pelo tempo perdido. Uma procura pelo que não pode ser restituído, como aquilo que nós mesmos já fomos um dia.
E o narrador, demonstra também ser um inconformado em relação a passagem das coisas, retornando à questão durante toda a narrativa. Mostrando-se ora espantado, e ora nada surpreso com os seus efeitos. Portanto, o tempo em Um conto das maldições do Cervo Invernal é mais do que um pano de fundo. E a despeito de ser uma reflexão sobre a infância, a jornada de Josh talvez seja uma busca pelo tempo perdido. Uma procura pelo que não pode ser restituído, como aquilo que nós mesmos já fomos um dia.
Ao apresentar o local em que se desenvolverá a parte inicial do enredo, o narrador sugere que para se conhecer as pessoas é preciso que se conheça o lugar, pois as pessoas e as coisas são feitas de lugar. E o lugar em que se desenrola essa história é a Alemanha do século vinte e início do século vinte e um. Funcionando em parte como outro grande personagem, que como os demais, comete erros, os repete, se fragmenta, se unifica, seguindo em transformação. Nenhum outro lugar poderia oferecer para o enredo circunstâncias tão significativas como os dois eventos mundiais pelos quais passou e influenciou o mundo. E considerando novamente o país como um personagem coletivo, ele reflete o retorno que fazemos aos mesmos erros, quando as lições não são aprendidas e o ressentimento não é superado. E também reflete a possibilidade de aprendizado e reinvenção. Portanto, se no início do livro somos apresentados a Aldeia de Retalhos, o lugar de uma infância idílica que é despedaçado pelos eventos para além dele, nos capítulos que se seguem, somos jogados em um terreno revolto por potentes processos, que foi o da Alemanha passando por duas guerras e chegando aos dias atuais, quando então o enredo se encerra.
Ao apresentar o local em que se desenvolverá a parte inicial do enredo, o narrador sugere que para se conhecer as pessoas é preciso que se conheça o lugar, pois as pessoas e as coisas são feitas de lugar. E o lugar em que se desenrola essa história é a Alemanha do século vinte e início do século vinte e um. Funcionando em parte como outro grande personagem, que como os demais, comete erros, os repete, se fragmenta, se unifica, seguindo em transformação. Nenhum outro lugar poderia oferecer para o enredo circunstâncias tão significativas como os dois eventos mundiais pelos quais passou e influenciou o mundo. E considerando novamente o país como um personagem coletivo, ele reflete o retorno que fazemos aos mesmos erros, quando as lições não são aprendidas e o ressentimento não é superado. E também reflete a possibilidade de aprendizado e reinvenção. Portanto, se no início do livro somos apresentados a Aldeia de Retalhos, o lugar de uma infância idílica que é despedaçado pelos eventos para além dele, nos capítulos que se seguem, somos jogados em um terreno revolto por potentes processos, que foi o da Alemanha passando por duas guerras e chegando aos dias atuais, quando então o enredo se encerra.